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Crítica | “Babilônia” (2022)


Cartaz do filme "Babilônia". Foto de uma mulher sendo carregada por várias pessoas. A mulher é branca e as pessoas que a carregam também. Ela é loira, usa um vestido vermelho com decote até a cintura e está com as pernas de fora. As pessoas a carregam acima da cabeça delas. Há várias serpentinas em volta deles. O fundo é amarelado. Na parte superior central estão os nomes dos atores principais um abaixo do outro: "BRAD PITT, MARGOT ROBBIE, DIEGO CALVA, JOVAN ADEPO, LI JUN LI"). Na parte inferior central está o título do filme: "BABYLON" ("BABILÔNIA"). Embaixo estão os nomes no restante do elenco, dos membros da equipe técnica, o logo da Paramount Pictures, outros ilegíveis e a seguinte inscrição: "ONLY IN THEATERS DECEMBER 23" ("SOMENTE NOS CINEMAS DIA 23 DE DEZEMBRO"). Tudo está escrito em letras brancas maiúsculas.

Por Lucas Borba

A convite da Paramount, compareci à cabine de imprensa de Babilônia, novo filme do diretor Damien Chazelle que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 19 de janeiro. Primeiramente, pois, agradeço a Paramount pela oportunidade e, em segundo lugar, como sempre fazemos aqui no Domínio Acessível, destaco que o longa felizmente entrará em cartaz com recursos de acessibilidade – incluindo audiodescrição, uma narrativa em off que descreve os elementos visuais da obra para pessoas com deficiência visual, como eu próprio.

A trama nos apresenta a um retrato tão fiel quanto aparentemente exacerbado de Hollywood no final da década de 1920, em plena transição do cinema mudo para o cinema falado. Personagens em sua maioria fictícios, porém baseados em figuras verídicas, protagonizam representações dramáticas do que de melhor e de pior se fez naquele período em Los Angeles em nome da sétima arte com seres humanos sem as quais o cinema nunca existiria, do alto do mais belo pico até as profundezas do poço mais sombrio. Personagens como a jovem Nellie LaRoy (Margot Robbie), determinada a manter seu estrelato ao migrar de modelo cinematográfico; o astro do cinema mudo Jack Conrad (Brad Pitt), que vê a sua carreira ameaçada pelas novidades do mercado; e o jovem imigrante mexicano Manny Torres (Diego Calva), um faz-tudo com a ambição de ascender em Hollywood. No filme, essas e outras personalidades testemunham eventos e vivenciam experiências que, em grande medida, são referências a eventos que de fato ocorreram com nomes marcantes da época – para saber mais, leia o nosso texto de curiosidades do longa clicando neste link.

Por um lado, Chazelle expõe toda a depravação de festas regadas a orgias, drogas e excentricidades fetichistas dignas da própria Babilônia, ao mesmo tempo que, inteligentemente, evidencia por um viés muito mais psicológico todo o dano do abuso impingido por um ambiente como aquele, não apenas às atrizes e a profissionais vítimas de segregação, mas também a elencos e figurantes imersos em condições insólitas de trabalho, com dinâmicas exigentes e realistas a tal ponto para a filmagem de certas cenas que mortes acidentais ou por exaustão eram frequentes. Por outro, o diretor retrata de forma orgânica toda a imponência resultante daqueles tipos de produção, que construíam cenários monumentais, encenavam grandes batalhas e sequências de ação mirabolantes com armas e acrobacias de verdade, quase sem dublês e sem as facilidades da computação gráfica. Á medida que as mais de três horas de história avançam, contudo, observamos o constante crescimento do cinema falado enquanto a depravação explícita vai sendo gradualmente substituída por um falso moralismo em que o abuso se torna velado – uma clara alusão narrativa ao Código de Produção de Cinema, que imperou nos Estados Unidos de 1930 a 1968 - um conjunto de normas morais aplicadas a filmes lançados por grandes estúdios cinematográficos que, na prática, serviram apenas para limitar as narrativas a uma ótica preconceituosa ao extremo, pouquíssimo representativa e deveras distante da realidade.

Embora este seja muito mais um filme sobre um recorte histórico do que sobre personagens – a não ser que se considere o recorte em si como o personagem principal -, além da técnica, ótima ambientação e trilha sonora, a força da obra certamente reside no elenco, com atuações intensas como a de Margot Robbie e realistas como a de Brad Pitt. O longa é pontilhado por sequências impactantes e cheias de significação adequadíssimas para o espaço de tais atuações, como uma cena que retrata a dificuldade para se gravar certa fala em uma filmagem, uma segunda passagem envolvendo uma cobra no deserto e uma terceira, durante uma festa de gala. Passagens como essas com certeza cumprem muito bem o seu papel como importantes marcos junto ao todo e, ao final da exibição, a duração da obra definitivamente me soou cirúrgica para a narrativa apresentada.

Com uma belíssima homenagem ao cinema nos minutos finais servindo de epílogo – que, dado o recorte histórico, não poderia ter escolhido como base para tal declaração de amor um filme melhor do que o clássico “Cantando na Chuva” (1952) -, Babilônia se encerra com um otimismo mágico, pela magia do próprio cinema, como um lembrete do que de mais belo se pode ser preservado por cada geração às que virão depois, e de tudo o de mais sombrio que, como nas melhores histórias, só não devemos esquecer para nunca repetir.

Nota: 3,5/5

“Babilônia” (Babylon), EUA, 2022.

Direção: Damien Chazelle.

Roteiro: Damien Chazelle.

Duração: 189 minutos.

Lucas Borba é jornalista e cocriador do Domínio Acessível. Atua como audiodescritor consultor para empresas como ETC. Filmes, Lexx e Little Brown Mouse e é autor dos romances “Flores” e “Você e o fim do mundo”, publicados pela plataforma Clube de Autores. Desde a infância é apaixonado pelo cinema e por quaisquer formas narrativas que permitam contar as melhores histórias.

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