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Bebê grão

Foto de dois dentes-de-leão. As plantas estão uma ao lado da outra, com caules marrons e folhas brancas formando um todo redondo. A planta da esquerda está inteira; na planta da direita, as folhas se soltam e voam diante de um céu azul.


Por Iracema Soares de Lima

Escrito originalmente em 29 de abril de 2015.

Sou um pequenino grão de terra que nasceu nos campos de cima da serra. O vento me movimentava de um lado para o outro, às vezes com leveza, Para amenizar as tempestades, que jogavam o pequeno grão de um lado a outro nas rochas.

O grãozinho tomou forma, abriu os olhos e viu uma imensidão de azul e verdes dos campos e matas, e uma variedade de cores e tons coloridos entrelaçando-se entre os verdes. Gostou de ter olhos para ver, agradeceu as cores.

O grão se moveu e sentiu que estava se transformando em um ser diferente. Ou melhor, tomando forma, movimentado pela chuva, vento e sol. Dois furinhos foram abrindo uns quatro centímetros abaixo dos olhinhos que estavam encantados com a beleza das cores. Senti tantas emoções, naqueles pequenos furinhos passava um ventinho que despertava todos os órgãos.

Dentro de mim, um “tum-tum” vibrava. Senti um aperto dentro de mim, como uma explosão, e água encheu meus pequenos olhinhos. Um seio de mãe deslizou pela minha pequenina face. Um choro de bebê rasgou uma boca com o que lhe era oferecido pela mãe com amor.

Com fé, mamei toda aquela seiva do colostro que me foi oferecido por minha mãe. Ela me olhava com ternura e a paz entrou dentro do meu ser humano.

Tudo isso aconteceu há oitenta e dois anos, nove meses e vinte seis dias. Todo esse tempo admirando as belezas da natureza, e crescendo, e observando as transformações naturais a cada estação.

Um dia, apoiando-me, fiquei de pé e caminhei entre aquelas belezas. Dias depois, corria. Gostei deste movimento, com fé, amor e paz no coração.

Assim foi descobrindo as flores, o escuro com o brilho da lua, o piscar das estrelas convidando a correr pela brisa da noite! Em uma destas brincadeiras, foi a lua cheia que iluminava toda aquela planície, convidando-me para correr.

Pela manhã, estava observando, além dos coloridos, os pequenos bosques que viviam entre os campos, que lindo... Os pássaros carregando gravetinhos no bico para construir seus ninhos: isto é amor. Provei os frutos que eles comiam saltitando de alegria: isto é ter fé.

Comecei a correr, incentivada pelo chamado pisca-pisca das estrelas. Corria feliz, em paz.

O grãozinho de terra virou humano, estava crescendo e sabia que um dia voltaria à origem: isto é fé, amor e paz no coração. A corrida fez parar meus pensamentos, parecia que a vida tinha parado ali na minha frente: uma enorme lagoa a refletia toda a natureza do céu e da terra. Boquiaberta, ajoelhei e juntei minhas mãos dizendo: “Estas maravilhas não me pertencem, mas posso cuidar e proteger, eu sei que sou filha do dono”.

Tenhamos mais fé, amor e paz. Vamos construir um mundo melhor para nossos descendentes futuros, economizar água, não gerar tanto lixo. Semear sementes de fé, amor e paz.

Obrigada, amo o que vem de Deus.

Com noventa anos de histórias para contar, a gaúcha Iracema Soares de Lima é natural de São Francisco de Paula, mas reside em Caxias do Sul, RS. É artista plástica e escritora. Em seus romances, ela mistura ficção e autobiografia para tratar de temas como a transição da infância à vida adulta e as experiências cotidianas enquanto uma pessoa com deficiência visual.

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