Por Lucas
Borba
Mike Flanagan
já se tornou um criador de destaque no catálogo da Netflix com suas obras de
terror, a começar pelo bastante elogiado “Hush: A Morte Ouve” (2016). Em “O
clube da meia-noite”, ele adapta o livro infanto-juvenil de Christopher Pike,
tendo a primeira temporada 10 episódios com cerca de uma hora cada.
Ao assistir à
série, foi impossível não lembrar de “Clube do terror”, série que marcou os
anos 1990 e que, no Brasil, era transmitida pela Nickelodeon e pela RecordTV.
Tal semelhança, porém, termina no fato de um grupo de jovens se reunir de
madrugada para contar histórias de terror. No mais, a narrativa da série
desenvolve uma trama principal em paralelo, trama essa na qual residem os
problemas da produção, problemas em parte ocasionados, inclusive, na busca pelo
diálogo entre a trama central e as referidas histórias de terror.
Na série, sete
jovens com doenças terminais passam os últimos dias de vida no hospício
Rotterdam Home. A casa é administrada por uma médica enigmática (Heather
Langenkamp) e toda meia-noite os adolescentes se reúnem no porão para trocar
histórias assustadoras entre eles. Certa noite, eles fazem um pacto: o primeiro
a sucumbir à doença ficará responsável pela comunicação com os demais no além.
Ao mesmo tempo, eventos misteriosos assolam o hospício, que possui um passado
nebuloso, e Ilonka (Iman Benson), uma das integrantes do grupo, acredita que a
casa esconde um poder antigo capaz de curá-los.
Infelizmente,
até agora a série não conta com o recurso de audiodescrição em português, esse
recurso de acessibilidade comunicacional tão importante para pessoas com
deficiência visual, como eu; serviço esse que descreve, por meio de uma
narração em off, os elementos visuais que se passam na tela. Deixo aqui o meu
apelo para que a Netflix passe a incluir a audiodescrição não apenas no idioma
original, mas também nos idiomas dublados de todas as suas produções.
Como é de se
esperar de Mike Flanagan e da própria Netflix, tecnicamente a série funciona
bem, com uma boa ambientação, uma trilha incidental comedida e competente, que
dialoga adequadamente com a progressão narrativa e com momentos de tensão, e o
elenco jovem está bem engajado. Os problemas estão no roteiro. Não li a obra de
Christopher Pike, por isso estou me baseando unicamente no que foi apresentado
na série em termos de narrativa para esta análise. A questão é que, apesar das
histórias de terror narradas pelos próprios jovens e do teor da trama
principal, a produção acaba soando indecisa sobre querer ser mais um terror, um
drama ou algo entre as duas coisas. Se considerarmos a primeira ou a segunda
opção, não funciona - porque ora quer ser uma coisa, ora outra -, e quanto à terceira
opção, um equilíbrio entre ambos os gêneros, que também poderíamos chamar de um
terror psicológico, o balanceamento é desproporcional, porque, mesmo na
situação trágica enfrentada pelos personagens com a eminência da morte, em fins
de ritmo narrativo há pouco terror no drama, ou pouco drama no terror.
No máximo, as
histórias contadas pelos jovens no clube, que de fato compõem os momentos mais
interessantes da temporada, evocam diretamente os conflitos e sentimentos de
cada adolescente - tanto que são protagonizadas por versões alternativas deles
próprios -, mas o mesmo nível de projeção não se apresenta na trama principal, o
que gera uma demasiada quebra de ritmo. Fora das histórias, os eventos
inexplicáveis e potencialmente sobrenaturais são muito espaçados entre si e, o
mais importante, geram poucos avanços relevantes para a trama. Outro problema
recai sobre atitudes pouco convincentes para jovens teoricamente tão versados
no terror e em seus subgêneros, que pouco questionam a natureza de um suposto
poder de cura que precisa de um ritual de sangue para ser evocado. Por mais que
a situação dos jovens possa justificar tal desespero por parte deles, para um público
não necessariamente tão ingênuo, e que ao longo de toda a temporada acompanha
histórias que falam justamente sobre as consequências de se mexer com certas
coisas, de seguir por certos caminhos, é frustrante engolir que a única
adolescente a questionar o ritual dependa de uma base religiosa específica para
isso. Mesmo inconscientemente, é como se a narrativa dissesse ao público:
“Esses jovens parecem inteligentes, só que na verdade são burros, mas você,
expectador, é ainda mais burro, então talvez os contos de terror não sejam
claros o bastante, por isso vamos reforçar a mensagem e deixar tudo bem
mastigadinho para você na trama principal”.
A verdade é
que, se apresentada somente como uma antologia de terror, “O clube da
meia-noite” poderia ser bem mais interessante. Com uma premissa promissora e
tecnicamente competente, porém equivocada em escolhas de roteiro e com um
clímax subaproveitado no final da temporada, a produção deve em breve ser
obscurecida por outros títulos do streaming.
Nota: 3/5
“O clube da
meia-noite” (The Midnight Club) – 1ª temporada – EUA, 2022
Criação: Mike
Flanagan e Leah Fong (baseado em obra de Christopher Pike)
Duração: 60
minutos por episódio (em média)
Hashtags: #paracegover #paratodosverem #paratodomundover #paratodosveremmais #audiodescrição #descriçãodeimagem #descrevipravocê #acessibilidade #inclusão #cultura #culturapop #arte #audiovisual #recursosinclusivos #série #tv #netflix #netflixbrasil #oclubedameianoite #mikeflanagan #christopherpike
Comentários
Postar um comentário