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Crítica | “A mulher rei” (2022)

Cartaz do filme "A Mulher Rei" (2022)  Foto de uma mulher negra de perfil. Ela está virada para a direita e é vista no centro do cartaz, dos quadris para cima. Tem cabelo crespo e curto, estilo moicano, com tranças na lateral e solto em cima. Usa top, saia, cinto e bracelete e pulseira de ouro. Com a mão direita ela segura uma espada, que está apoiada sobre o ombro direito dela e que reflete pessoas correndo.   O fundo é alaranjado.   Na parte inferior central lê-se: "SEU REINADO COMEÇA". Embaixo está o nome da atriz principal: "VIOLA DAVIS". Logo abaixo está o título: "A MULHER REI". Na parte inferior lê-se: "BASEADO EM UMA PODEROSA HISTÓRIA REAL". Abaixo está escrito: "EM BREVE EXCLUSIVAMENTE NOS CINEMAS". No canto inferior esquerdo está o logo da TriStar Pictures, a hashtag #AMulherRei e o perfil no Instagram @SonyPicturesBR. No canto inferior direito está a inscrição "Verifique a classificação indicativa" e os logos da eOne e da Sony Pictures. Tudo está escrito em letras brancas.


Por Lucas Borba

Toda narrativa audiovisual que reconstitui eventos reais, ou mesmo que meramente baseada em tal gênero de eventos, é delicada. Tomando-se a responsabilidade envolvida como um pressuposto – o que nem sempre ocorre -, é necessário levar em conta aspectos como o impacto que determinada liberdade criativa pode gerar – seja no público, em pessoas reais implicadas no caso ou em um segmento da sociedade -, a qualidade da apuração acerca dos fatos realmente ocorridos e o quanto é pertinente deixar claro, ao longo da narrativa, o que é ou não é ficção. Desses aspectos, talvez o maior “problema” - se é que podemos chamar assim – de “A mulher rei” seja o de nem sempre marcar tão bem essa linha entre o fantástico e o histórico, o que não diminui em absoluto as suas qualidades.

No longa, acompanhamos Nanisca (Viola Davis), uma comandante fictícia de um exército que realmente existiu no Reino de Daomé, um dos locais mais poderosos da África entre os séculos XVII e XIX. Durante o período, o grupo militar era composto apenas por mulheres que, juntas, combateram os colonizadores franceses, tribos rivais e todos aqueles que tentaram escravizar seu povo e destruir suas terras. Conhecidas como Agojie, o verídico grupo foi criado por conta da população masculina do reino enfrentar grandes baixas na violência e guerra cada vez mais frequentes com os estados vizinhos da África Ocidental, forçando Daomé a dar anualmente escravos do sexo masculino principalmente ao Império Oyo, que usou isso para a troca de mercadorias como parte do crescente fenômeno do comércio de escravos durante a Era dos Descobrimentos, fazendo com que mulheres fossem alistadas para o combate.

Um dos maiores prazeres em se tratando de boas experiências de narrativa audiovisual é quando se tem a oportunidade de observar os seus diferentes elementos atuando em verdadeira harmonia, em prol de um todo no efeito cinematográfico. É o que acontece em “A mulher rei”. Tudo flui com muita naturalidade, segurança e beleza no ritmo narrativo, mesmo nas cenas mais selvagens de conflito, que evocam um empoderamento tão necessário de forma orgânica e imersiva. A trilha sonora tão assertiva quanto identitária, o tempo de cena dedicado aos rituais das guerreiras, a ambientação, o bom elenco – Viola Davis está visceral no realismo de sua personagem -, tudo isso dialoga com um roteiro que sabe nos conduzir com maestria por motivações e conflitos que conectam as Agojie umas às outras, de modo a verdadeiramente nos identificarmos com elas e com a alma do grupo para além do recorte histórico. Por outro lado, seja em que formato narrativo for, é comum que épicos históricos caiam em uma armadilha ativada por um peso excessivo em um dos lados de uma balança: ou a busca pelo destaque aos personagens pode acabar tornando o pano de fundo histórico um mero ornamento de storytelling, ou uma preocupação excessiva com o retrato de uma época pode resultar na presença de personagens enfadonhos, cuja construção é deixada em segundo plano, mas “A mulher rei” apresenta um pleno equilíbrio dessa balança.

É por isso que, sobre o impacto, se a obra recebe ressalvas de público e crítica quanto a uma certa reparação histórica narrativa em relação a genuína postura que o reino de Daomé tomou diante da escravidão vigente, também não faltam aplausos para tal representatividade e reflexão evocadas pelo filme bem na cara de Hollywood para o mundo, em conformidade com problemas tão atuais e de origens bem conhecidas. Mulheres fictícias como Nanisca, Nawi (Thuso Mbedu) e as demais guerreiras representam mulheres negras reais de ontem, de hoje e de sempre, e ao conhecermos estas mulheres e nos apaixonarmos pela coragem, pela determinação, pela força e pela inteligência delas, não é difícil pensar que, se as coisas não aconteceram de outra forma, podemos fazer a diferença agora.

OBS.: O filme foi para os cinemas com audiodescrição, esse recurso de acessibilidade comunicacional tão importante para pessoas com deficiência visual – como eu próprio -, um serviço que descreve, por meio de uma narração em off, todos os elementos visuais da obra que aparecem na tela, através de um receptor com fones de ouvido que o usuário do recurso utiliza para não interferir na experiência dos demais espectadores. O problema é que, ao menos neste filme, a Sony não incluiu na audiodescrição a leitura de legendas ou mesmo o áudio original da dublagem para as cópias legendadas. Deixo aqui o meu alerta para esse importante cuidado, que amplia e facilita o pleno acesso à obra.

Nota: 4,5/5

“A mulher rei” (The Woman King), EUA, 2022.

Direção: Gina Prince-Bythewood.

Roteiro: Dana Stevens e Maria Bello.

Duração: 135 minutos.

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