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Primeiras impressões | Sandman – 1ª temporada (2022)

Foto de um homem de costas com um corvo no ombro. O homem é visto de corpo inteiro, no centro do cartaz. Ele tem cabelo preto, curto e liso e usa uma longa capa preta, que se arrasta pelos degraus de uma escada branca de mármore sobre a qual ele está. Um corvo preto repousa sobre o ombro direito dele, com a cabecinha virada para a esquerda. À frente do homem, a escada se estende até a parte superior do cartaz, onde há um enorme castelo acinzentado ao centro.  Há uma névoa ao fundo.   Na parte superior central, em letras pretas maiúsculas, lê-se: "DREAM THE WORLD ANEW" ("SONHE COM UM MUNDO NOVO"). Na parte inferior central, em letras brancas maiúsculas, lê-se: "A NETFLIX SERIES" ("UMA SÉRIE NETFLIX"). Logo abaixo, em letras cinzas maiúsculas, está o título: "THE SANDMAN". Embaixo está a data: "AUG 5" ("5 DE AGOSTO") e, à direita, o logo da Netflix.

Confira a crítica em vídeo clicando neste link.

Por Lucas Borba


Meu contato com as obras de Neil Gaiman até assistir aos primeiros episódios de Sandman se limitou a dois de seus livros, Lugar Nenhum e Deuses Americanos, bem como à série da Amazon Prime Video que adapta este último e à série Good Omens, do mesmo streaming. De minha parte, o que posso dizer é que até então, naturalmente tendo por base apenas as experiências citadas com as produções desse artista que já se tornou um ícone da cultura pop, considero a imersão nos trabalhos de Gaiman muito mais um ótimo exercício reflexivo, para não dizer filosófico, do que propriamente narrativo.

De fato, creio que a adaptação televisiva de Good Omens foi a produção que mais me gerou expectativas pelo que estaria por vir e, ainda assim, ao término dos episódios a história me pareceu muito curta para o potencial de tudo o que apresentou. Ou seja, longe de serem experiências ruins, mas que dentro de suas propostas com tantas possibilidades parecem conter limites de desenvolvimento muito bem definidos. O fascínio pela investigação das divindades associadas à história da humanidade sob uma releitura contemporânea parece constituir o elemento inspirador de Gaiman. Tais investigações e releituras são feitas com grande perícia e engenho criativo pelo escritor e roteirista, e se tais prioridades resultam na eventual quebra do ritmo narrativo e tornam o viés imaginativo muito mais simbólico do que propriamente dramático, não falta um público apaixonado por tais prioridades. Quanto a mim, posso não ser um apaixonado, mas certamente sou um admirador.

Não é à toa que fiquei honrado quando a Netflix me concedeu uma prévia da primeira temporada da aguardada adaptação de Sandman, possibilitando que eu assistisse aos três primeiros episódios dos dez que compõem a temporada. Tais prévias sempre são acompanhadas de um embargo para a publicação das críticas e, neste caso, quaisquer comentários da imprensa acerca do conteúdo só podiam ser divulgados no dia da estreia da série – 5 de agosto. Por isso, quando você estiver lendo ou ouvindo esta crítica em nosso canal no Youtube ou no podcast do Domínio Acessível, o Câmera Cega, a primeira temporada já estará disponível no catálogo da Netflix. Na sequência, portanto, compartilharei minhas impressões quanto aos primeiros três episódios disponibilizados na prévia e, nos próximos dias, publicarei aqui no blog um veredito definitivo da temporada como um todo. Pelo menos até agora, a prévia não conta com o recurso de audiodescrição em português e, por isso, sendo eu uma pessoa com deficiência visual total, não me voltarei aqui para aspectos visuais dos episódios e focarei em nuances auditivamente perceptíveis, como o texto verbal do roteiro e a trilha sonora.

Também por conta de minha deficiência, até hoje não tive a oportunidade de interagir com a obra original em quadrinhos de Sandman, mas posso dizer que, ao assistir aos primeiros episódios, pude perceber as características comuns aos trabalhos de Gaiman muito presentes na estrutura narrativa da adaptação. O personagem Sandman, ou Mestre dos Sonhos, entre tantos outros nomes, já expressa desde a sua apresentação a diversidade cultural que o envolve e os primeiros capítulos começam a esmiuçar esse estudo cultural de forma orgânica e emocional dentro da narrativa, transitando com naturalidade e de um momento para o outro de retratações de personagens e divindades hebraicas para gregas e romanas – destaque para a reencenação de uma das passagens mais icônicas do gênesis bíblico. A importância, a beleza e os perigos que os sonhos representam e sempre representaram para a humanidade são captados a contento pelas primeiras horas da temporada, apresentando personagens que, mesmo cercados por tantos elementos fantásticos, são tão verossímeis em suas ambições, dores, maldades, mesquinharias, arrependimentos e, às vezes, em sua bondade. É claro, nada diferente do esperado em uma obra pautada em relatos clássicos que falam de questões e anseios dos mais antigos na história humana.

Aliás, o personagem mais nebuloso em termos de desenvolvimento até então é o próprio Sandman, mas aparentemente esse cozimento em fogo baixo na construção do protagonista é proposital. Toda a carga de um passado e, talvez, origem ainda a serem relatados, bem como as marcas do período no qual, como diz a própria sinopse da série, ele esteve aprisionado, estão lá, nítidas em uma dureza e apatia que parece querer demonstrar a profusão de sentimentos que perpassam o interior do ser “perpétuo”, como também é chamado nosso herói. Se a expressividade do ator Tom Sturridge acompanha essa que me pareceu ser a intenção do roteiro, é outra história – fique à vontade para compartilhar suas impressões quanto a esse e outros pontos nos comentários. Dito isso, a prévia disponibilizada pela Netflix não constitui nem a metade da temporada, o que reforça ainda mais minha confiança de que é questão de tempo para que o gradual vazamento do Sandman por trás da máscara de autopreservação se converta em uma inevitável inundação do seu verdadeiro eu.

Apesar das eventuais quebras de ritmo características das histórias de Gaiman em detrimento de uma maior contemplação de elementos simbólicos muito bem definidos – o que só parece reiterar a preocupação da adaptação em dignificar os quadrinhos -, sabe-se que Sandman é um trabalho longo em sua totalidade e, por isso, deixa boas expectativas acerca de tudo o que realmente pode ser abordado e desenvolvido dentro desse universo. Cada episódio até então funciona como um pequeno filme, sendo ótimo observar como simpatizamos a tal ponto com certos personagens que, quando parecemos nos despedir de algum deles, torcemos para que este retorne em algum momento, pois captamos o seu potencial. A trilha sonora, por sua vez, é discreta, não possuindo até agora nenhum tema propriamente em sua instrumentalização incidental, mas cumprindo um papel condizente com o que pedem os distintos momentos da narrativa.

A série Sandman faz uma bela entrada em sua prévia para a imprensa, mostrando o que Neil Gaiman tem de melhor para oferecer, e criando boas possibilidades para o que está por vir. Se é uma adaptação digna dos quadrinhos, fãs com certeza darão seu veredito, mas enquanto narrativa isolada certamente equilibra oscilações rítmicas em um promissor mito épico contemporâneo sobre nossos maiores medos e aspirações. Veremos quais sonhos ou pesadelos ainda nos aguardam.

Nota: 3,5 / 5

Sandman – 1ª temporada (The Sandman, EUA, 2022)

Criação: Neil Gaiman, David S. Goyer e Allan Heinberg

Duração: 60 minutos por episódio (em média)

Hashtags: #sandman #thesandman #neilgaiman #netflix #arte #cultura #série #tv #acessibilidade #inclusão #audiodescrição

Comentários

  1. Robbie Fiodorovitch05 agosto, 2022 20:40

    VocÊ escreve muito bem, Lucas. Curti sua análise da série.
    Ainda não assisti, Mas só de ter o Neil Gaiman na direção, já fico muito empolgado.
    Parabéns pelo blog.

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