Confira a crítica em vídeo clicando neste link.
Por Lucas Borba
Para falarmos
a respeito de um documentário, temos de compreender que dois elementos devem
inevitavelmente ser levados em conta: o caráter jornalístico da produção e a
sua narrativa – o famoso storytelling. É claro que toda matéria ou reportagem
também necessita de uma narrativa, mas em um documentário espera-se que este
segundo elemento desempenhe um papel ainda mais evidente para enfatizar o
caráter humano envolvido na pauta em questão.
Enquanto
produção jornalística, porém, o modo como o storytelling é aplicado também auxilia
ou não na valorização da narrativa em termos de apuração ou investigação. Sem
dúvida, o lado humano está mais do que presente no documentário “Quem tem
medo?”, da Embaúba Filmes, com direção de Dellani Lima, Henrique Zanoni e
Ricardo Alves Jr, que estreia nos cinemas no dia 4 de agosto. Tive acesso como
jornalista do veículo Câmera Cega, agora pertencente ao grupo Domínio
Acessível, a uma cabine de imprensa online do documentário e registro aqui
minha gratidão a Embaúba Filmes pela oportunidade. Sendo eu uma pessoa com
deficiência visual total, apenas deixo como sugestão que, quando possível, o
recurso de audiodescrição seja incorporado também às cabines de imprensa, para
que um jornalista com uma deficiência como a minha possa dispor das mesmas
condições que os demais para a produção das críticas. Dito isso, por sorte em
ocasiões como essa posso contar com o apoio da minha parceira profissional e na
vida, a também escritora e cinéfila Vanessa Delfino, que eventualmente também
escreverá para o blog e me descreve o conteúdo imagético das produções quando
necessário.
Voltando ao
documentário, como dito o caráter humano da produção é inegável. A sinopse da obra
informa que o documentário denuncia ações de censura do mais recente Governo
Federal dirigidas para artistas e suas performances, ações estas que estariam
crescendo constantemente. A produção se concentra em artistas atuantes na
capital paulista e arredores, embora alguns desses profissionais tenham se
apresentado inclusive no exterior. Conforme os casos desses artistas nos vão
sendo expostos pela narrativa, logo fica claro que as denúncias partem de
profissionais representantes de minorias historicamente e ainda extremamente
excluídas e violentadas de formas distintas no país, como pessoas LGBTQIA+ ou
em situação econômica incerta. Algumas das apresentações registradas pelo
documentário impactam por falar sobre essas feridas sociais pelas bocas e pela
expressividade de quem as vive e sente cotidianamente, enquanto outras
performances nos fazem refletir sobre quais as melhores estratégias para gerar
empatia e movimentos de mudança positivos genuínos dessas realidades.
O problema é
que, justamente sobre alguns dos casos que mais impactam e instigam esse tipo
de reflexão, de questionamento, uma revisão de valores, é que falta requinte na
apuração jornalística ou documental. Em termos de formato narrativo, a produção
alterna entre vídeos de arquivo com apresentações dos artistas, audiências, pronunciamentos
e declarações de autoridades, e fica por aí mesmo. Assim, quando ouvimos, por
exemplo, um dos artistas denunciar uma instituição bancária de censura, esperamos
ao menos por uma inscrição do tipo: “Nossa equipe tentou entrar em contato com
a instituição X, mas não obteve retorno”. Tal aviso ou algo parecido, no
entanto, não acontece.
“Quem tem
medo?” é um documentário necessário sobre uma questão sociopolítica urgente,
que só perde força por não impactar com sua narrativa tanto quanto os próprios
artistas que retrata, por não incorporar com o devido zelo o elemento
jornalístico ao seu storytelling. Agora, mais do que nunca, precisamos de
narrativas reais que, ao contrário e a favor de seus personagens, não caiam no
esquecimento.
Nota: 3,0 / 5
Quem tem medo?
(Brasil, 2022)
Direção: Dellani
Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr
Duração: 70
minutos
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