Por Lucas Borba
Para
analisarmos o conteúdo de uma história, seja em que mídia for, inclusive no
audiovisual, temos de sempre levar em conta quanto controle a narrativa tem
sobre si mesma ou, pelo menos, quão gratuitas são ou não suas escolhas.
Confesso que fui para o cinema sem ter ideia de que estava prestes a assistir a
uma adaptação de um conto de Joe Hill, um dos filhos do “mestre do terror”
Stephen King, e fiquei muito feliz ao ser informado disso pelo próprio filme
nos primeiros segundos de exibição.
Li somente um
dos livros desse autor até hoje, “A estrada da noite”, do qual gostei bastante
e sempre imaginei que boa adaptação poderia ser feita dessa história para o
audiovisual. Senti-me empolgado, portanto, ao descobrir na própria sala de
cinema que o novo filme de Scott Derrickson – mesmo diretor de “A entidade”
(2012), filme que particularmente aprecio – é fruto de outra obra de Joe Hill
que eu desconhecia. Sendo eu um jornalista com deficiência visual, tive o
prazer de assistir ao longa com audiodescrição, esse recurso de acessibilidade
comunicacional tão importante que traduz imagens em palavras, por meio de uma
narração em off transmitida via fones de ouvido para o usuário, de modo a não
interferir na experiência dos demais espectadores que não queiram usufruir do
serviço. Deixo aqui minhas congratulações à ETC. Filmes por mais este excelente
trabalho de acessibilidade, que para essa audiodescrição contou com a
roteirista Gabriela Jacques e seu irmão, o consultor especializado Edgar Jacques.
Na trama, uma
série de sequestros estão acontecendo na cidade de Denver, em 1978. Ethan Hawke
interpreta o sequestrador, um “serial killer” que tem crianças como alvo. Finney
Shaw (Mason Thames), um garoto de 13 anos, é sequestrado e acorda em um porão com
apenas uma cama e um telefone preto em uma das paredes. Quando o aparelho toca,
ele consegue ouvir a voz das vítimas anteriores do assassino, e elas tentam
evitar que o menino sofra o mesmo destino. Enquanto isso, sua irmã Gwen (Madeleine
McGraw) tem sonhos que indicam o lugar onde ele pode estar e corre contra o
tempo para ajudar a polícia a encontrá-lo.
Não li o conto
original de Joe Hill, mas a homenagem à parte do legado literário de Stephen
King se faz evidente já no primeiro ato do filme, que, inclusive, também
constitui para mim a melhor parte do longa. Isso porque a produção nos
apresenta a amplas possibilidades de desenvolvimento narrativo ao juntar
elementos como “bullying”, sequestros misteriosos, um dom de aspecto
sobrenatural e um forte vislumbre de violência doméstica em um todo coeso e
orgânico que promete nos conectar, e muito, aos personagens mirins, uma das
marcas do que o próprio Stephen King tem de melhor. Quando se dá o sequestro do
protagonista previsto pela sinopse, no entanto, logo as ambições narrativas do
longa se restringem a uma proposta bem menor e, em sua maior parte, previsível,
mas em certo aspecto até mesmo preguiçosa. Méritos consideráveis são
preservados nos demais atos, é verdade, com sequências de tensão sendo muito
bem construídas – destaque para a primeira tentativa de fuga de Finney – e com
ótimas atuações – não por acaso, o diretor se encantou a tal ponto com Madeleine
McGraw que adiou as filmagens para que a menina pudesse participar das
gravações.
De fato, pergunto-me
se algumas escolhas narrativas não se deram mais por interferência do estúdio
do que por decisões da equipe de produção em si, como “jump scares” (sustos)
focados mais nos fantasmas das vítimas do que no sequestrador - a verdadeira
ameaça ali – e que, por isso, soam quase em sua totalidade, para não dizer no geral,
gratuitas ou no mínimo equivocadas. Apesar de ser o “serial killer” até bem
falante, a sua motivação não fica clara e tampouco parece haver um padrão em
suas vítimas para além de serem crianças com perfis bem distintos. Por não ter
lido o conto, não sei como se dão as escolhas narrativas no texto e o quanto o sequestrador
é ou não explorado, por isso, caso alguém tenha lido o conto, fique à vontade
para compartilhar suas impressões nos comentários.
“O telefone
preto” é um terror de qualidade regular, que só não fica acima da média por não
valorizar o bom elenco e seu potencial técnico com melhores escolhas narrativas,
deveras dependentes de recursos enlatados do gênero para se debruçar com maior
assertividade sobre a história que efetivamente está sendo contada. Faltou ao
filme a independência que o próprio Joe Hill, ao menos em “A estrada da noite”,
demonstrou em relação a Stephen King, apresentando um material original o
bastante para que, se homenageia o “mestre do terror”, em nada fique preso à
sombra do pai.
Nota: 3,5/5
“O telefone preto” (The Black Phone, EUA,
2021)
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Scott Derrickson, C. Robert Cargill
(baseado no conto de Joe Hill)
Duração: 103 minutos
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