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Crítica | “O telefone preto” (2021)

Cartaz do filme "O Telefone Preto" (2021)  Foto de um homem com máscara. Ele é visto de frente, olhando na mesma direção, dos ombros para cima e no centro do cartaz. Está com o rosto pintado de branco, usa cartola preta, óculos e máscara branca do nariz para baixo, que tem um largo sorriso com todos os dentes à mostra. Usa blusa de lã vermelha de gola alta e camisa preta por cima.   O fundo é acinzentado.  Na parte superior central lê-se: "FROM BLUMHOUSE AND THE DIRECTOR OF SINISTER & DOCTOR STRANGE" ("DA BLUMHOUSE E DO DIRETOR DE "A ENTIDADE" & "DOUTOR ESTRANHO"). Na parte inferior central está o nome do ator principal: "ETHAN HAWKE". Logo abaixo está o título: "THE BLACK PHONE" ("O TELEFONE PRETO"). Embaixo, lê-se: "NEVER TALK TO STRANGERS" ("NUNCA FALE COM ESTRANHOS"). Abaixo, lê-se: "IN THEATERS FEBRUARY 4" ("NOS CINEMAS DIA 4 DE FEVEREIRO") e os nomes dos roteiristas e do diretor. No canto inferior esquerdo estão o logo da Blumhouse e a classificação indicativa "R/RESTRICTED" ("R/RESTRITO"). No canto inferior direito está o logo da Universal Pictures. Tudo está escrito em letras brancas escuras maiúsculas, exceto o nome do ator e a data de estreia, que estão em vermelho.



Por Lucas Borba

Para analisarmos o conteúdo de uma história, seja em que mídia for, inclusive no audiovisual, temos de sempre levar em conta quanto controle a narrativa tem sobre si mesma ou, pelo menos, quão gratuitas são ou não suas escolhas. Confesso que fui para o cinema sem ter ideia de que estava prestes a assistir a uma adaptação de um conto de Joe Hill, um dos filhos do “mestre do terror” Stephen King, e fiquei muito feliz ao ser informado disso pelo próprio filme nos primeiros segundos de exibição.

Li somente um dos livros desse autor até hoje, “A estrada da noite”, do qual gostei bastante e sempre imaginei que boa adaptação poderia ser feita dessa história para o audiovisual. Senti-me empolgado, portanto, ao descobrir na própria sala de cinema que o novo filme de Scott Derrickson – mesmo diretor de “A entidade” (2012), filme que particularmente aprecio – é fruto de outra obra de Joe Hill que eu desconhecia. Sendo eu um jornalista com deficiência visual, tive o prazer de assistir ao longa com audiodescrição, esse recurso de acessibilidade comunicacional tão importante que traduz imagens em palavras, por meio de uma narração em off transmitida via fones de ouvido para o usuário, de modo a não interferir na experiência dos demais espectadores que não queiram usufruir do serviço. Deixo aqui minhas congratulações à ETC. Filmes por mais este excelente trabalho de acessibilidade, que para essa audiodescrição contou com a roteirista Gabriela Jacques e seu irmão, o consultor especializado Edgar Jacques.

Na trama, uma série de sequestros estão acontecendo na cidade de Denver, em 1978. Ethan Hawke interpreta o sequestrador, um “serial killer” que tem crianças como alvo. Finney Shaw (Mason Thames), um garoto de 13 anos, é sequestrado e acorda em um porão com apenas uma cama e um telefone preto em uma das paredes. Quando o aparelho toca, ele consegue ouvir a voz das vítimas anteriores do assassino, e elas tentam evitar que o menino sofra o mesmo destino. Enquanto isso, sua irmã Gwen (Madeleine McGraw) tem sonhos que indicam o lugar onde ele pode estar e corre contra o tempo para ajudar a polícia a encontrá-lo.

Não li o conto original de Joe Hill, mas a homenagem à parte do legado literário de Stephen King se faz evidente já no primeiro ato do filme, que, inclusive, também constitui para mim a melhor parte do longa. Isso porque a produção nos apresenta a amplas possibilidades de desenvolvimento narrativo ao juntar elementos como “bullying”, sequestros misteriosos, um dom de aspecto sobrenatural e um forte vislumbre de violência doméstica em um todo coeso e orgânico que promete nos conectar, e muito, aos personagens mirins, uma das marcas do que o próprio Stephen King tem de melhor. Quando se dá o sequestro do protagonista previsto pela sinopse, no entanto, logo as ambições narrativas do longa se restringem a uma proposta bem menor e, em sua maior parte, previsível, mas em certo aspecto até mesmo preguiçosa. Méritos consideráveis são preservados nos demais atos, é verdade, com sequências de tensão sendo muito bem construídas – destaque para a primeira tentativa de fuga de Finney – e com ótimas atuações – não por acaso, o diretor se encantou a tal ponto com Madeleine McGraw que adiou as filmagens para que a menina pudesse participar das gravações.

De fato, pergunto-me se algumas escolhas narrativas não se deram mais por interferência do estúdio do que por decisões da equipe de produção em si, como “jump scares” (sustos) focados mais nos fantasmas das vítimas do que no sequestrador - a verdadeira ameaça ali – e que, por isso, soam quase em sua totalidade, para não dizer no geral, gratuitas ou no mínimo equivocadas. Apesar de ser o “serial killer” até bem falante, a sua motivação não fica clara e tampouco parece haver um padrão em suas vítimas para além de serem crianças com perfis bem distintos. Por não ter lido o conto, não sei como se dão as escolhas narrativas no texto e o quanto o sequestrador é ou não explorado, por isso, caso alguém tenha lido o conto, fique à vontade para compartilhar suas impressões nos comentários.

“O telefone preto” é um terror de qualidade regular, que só não fica acima da média por não valorizar o bom elenco e seu potencial técnico com melhores escolhas narrativas, deveras dependentes de recursos enlatados do gênero para se debruçar com maior assertividade sobre a história que efetivamente está sendo contada. Faltou ao filme a independência que o próprio Joe Hill, ao menos em “A estrada da noite”, demonstrou em relação a Stephen King, apresentando um material original o bastante para que, se homenageia o “mestre do terror”, em nada fique preso à sombra do pai.

Nota: 3,5/5

“O telefone preto” (The Black Phone, EUA, 2021)

Direção: Scott Derrickson

Roteiro: Scott Derrickson, C. Robert Cargill (baseado no conto de Joe Hill)

Duração: 103 minutos

Hashtags: #cinema #terror #arte #cultura #culturapop #otelefonepreto #acessibilidade #inclusão #audiodescrição #joehill #stephenking #etcfilmes

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