Por Lucas Borba
Como é
natural, ao longo da história do cinema o gênero terror teve momentos altos e
baixos, mas sempre soube se reinventar, seja reciclando de forma competente
filmes ou franquias bem-sucedidas ou trazendo novas histórias para as telonas,
telas e telinhas. O dito “novo terror” surgiu como um movimento nesse último
caso que tem dado o que falar.
A verdade,
porém, é que o “novo terror” nem tem nada de tão novo assim. O que ele faz é
enfatizar em sua narrativa elementos associáveis a um terror mais literário e, além
disso, à concepção mais original do terror enquanto propósito. Não apenas um mero
entretenimento baseado em sustos fáceis, o terror surgiu nada mais, nada menos
do que com o objetivo de abordar medos e inquietações comuns ao nosso
cotidiano, sejam tais fontes de temor concretas ou mentais e psicológicas.
Narrativas com essa proposta raiz, dentro de seus subgêneros, no geral sempre
se concentraram em uma de duas reflexões principais – e aqui as listarei no
singular, mas compreendam-se também no plural: o personagem – passível de ser
plural – que é consumido, morto, possuído, enfim, pela fonte do terror, ou o
personagem – passível de ser plural – que derrota a fonte do terror. Ou seja,
seremos derrotados por nossos temores ou seremos nós quem os derrotaremos?
Vale salientar
que mesmo sendo a fonte de terror algo concreto, como um assassino mascarado,
no fundo o terror raiz sempre busca retratar tais ameaças como projeções de
nossos próprios temores – que, por sua vez, dão poder, força e forma à ameaça
concreta. O cinema, em princípio muito pautado pela visualidade, só nos últimos
anos começou a compreender de um modo mais evidente que o audiovisual também
pode trabalhar com o maior temor passível de ser evocado, aquele que é único em
cada um de nós. Para isso, grandes aliados narrativos são ruídos, barulhos ou a
ausência deles, a trilha sonora, bem como meras pistas visuais que estimulem
nosso imaginário a conceber o real impacto do que não estamos vendo. É o
chamado “terror psicológico”, que no audiovisual tem por missão não apenas
fazer com que saltemos na poltrona, mas com que deixemos a sala de cinema ou
desliguemos nossa televisão no mínimo reflexivos ou, nos casos mais eficazes,
profundamente impactados ou incomodados com um tipo de ameaça que talvez esteja
muito mais presente em nosso cotidiano do que gostaríamos de admitir.
“Gêmeo maligno”
(The Twin, no original), que chegou aos cinemas nessa quinta-feira, dia 11 de
agosto, certamente tem essa preocupação de não enveredar pelo terror fácil,
raso e momentâneo. Mais do que isso, o filme brinca com elementos do já
consolidado terror pipoca mas, no fundo, entrega algo bem mais interessante.
Para quem já tem uma certa bagagem narrativa, é verdade, esse chamariz parece
quase indiscutível no máximo até pela metade do longa, que fala de catolicismo
versus paganismo e de uma entidade maligna em uma profusão que aparenta
displicência proposital, já que separadamente tais elementos parecem fazer mais
sentido dentro de um “terror pipoca” do que em conjunto, do modo com que são apresentados
aqui e acolá no desenrolar da trama, como que para nos confundir quanto ao que
de fato está acontecendo. Na história, o jovem casal Anthony (Steven Cree) e
Rachel (Teresa Palmer) perdem o pequeno filho Nathan (Tristan Ruggeri) em um
acidente e, para se recuperar do trauma e recomeçar, decidem se mudar para uma
casa interiorana com o filho gêmeo Elliot (Tristan Ruggeri), que aos poucos, no
entanto, passa a dar indícios para Rachel de que Nathan pode ainda estar entre
eles, e não exatamente contente por Elliot agora ser filho único.
Somente essa
premissa já traz uma dubiedade com amplas possibilidades de exploração
narrativa. Afinal, qual será de fato o gêmeo maligno? O fantasma de Nathan,
enfurecido por não sentir-se mais parte da família, ou Elliot, determinado a
tudo para preencher o buraco deixado pelo irmão falecido, a ponto de querer ele
próprio tornar-se o próprio falecido? Ou serão talvez ambas as coisas?
Como se
observa, essa duplicidade por si só já dá o que pensar, mas a narrativa
felizmente vai além dessas possibilidades ao explorar com ótimo engenho
criativo e do storytelling o tema do luto. Longe, é claro, de ser um tema novo
no terror, que podemos em princípio enquadrar no campo das inquietações. A
produção, todavia, sabe como tratar desse luto de modo constante e palpável ao
longo da narrativa ao mesmo tempo que nos incute dúvida e confusão sobre o
potencial destrutivo dessa ameaça definida na dor da perda e na luta para
recomeçar, para reencontrar um sentido na vida, também levando-se em conta não
apenas como o luto afeta você enquanto sujeito, mas por extensão as pessoas ao
seu redor.
Distribuído
pela Paris Filmes, o longa não conteve em sua cabine virtual para a imprensa a
opção do recurso de audiodescrição. Sendo eu uma pessoa com deficiência visual
total, deixo aqui registrada essa reivindicação, para que eu possa produzir
conteúdo acerca das produções em equidade de condições com meus colegas de profissão.
Dado o exposto, por isso não aludirei a aspectos visuais da obra, mas posso
dizer que o elenco funciona bem para valorizar as intenções dramáticas do
roteiro, em especial Teresa Palmer, que pelo menos em caráter auditivo entrega
uma atuação dedicada e condizente com a personagem em suas diferentes fases
durante a trama. A trilha sonora incidental e grave, embora não conte com
qualquer tema particularmente marcante, ajuda com precisão a criar o suspense,
a tensão e a confusão crescentes, até o derradeiro grand finale.
“Gêmeo maligno”
se sai muito bem porque, além de não entregar mais do mesmo em termos de terror
para o audiovisual, flerta com elementos comuns do gênero para atrair um
público mais amplo e, no final, apresentar algo diferente e que de fato nos
deixa com um sentimento muito mais do que momentâneo à exibição do longa. Mesmo
não podendo ser igualado à maestria de títulos como Hereditário ou A Bruxa, nos
quais claramente também se inspira, com certeza está acima da média e vale ser
conferido na telona por quem busque apreciar um terror de qualidade, que diz ao
que veio com entretenimento sem se desconectar de seu propósito original.
Nota: 4/5
“Gêmeo maligno” (The Twin, Finlândia, 2022)
Direção: Taneli Mustonen
Roteiro: Aleksi Hyvärinen, Taneli Mustonen
Duração: 109 minutos
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