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Crítica | "Gêmeo maligno" (2022)

Foto de uma mulher e duas crianças em um espelho. O espelho é visto no centro do cartaz com uma moldura dourada e vidro quebrado com rachaduras, no qual se vê o reflexo de uma mulher branca, loira e séria, de casaco de lã cinza, que segura uma criança no colo e olha para a frente. A criança é branca, de cabelo preto, usa casaco de lã vermelha e está virada para a direita. O vidro está quebrado no rosto dela. Atrás da mulher, à direita, há uma criança gêmea em pé no chão, também branca, de cabelo preto e casaco de lã vermelha, que olha séria para a frente.   No reflexo do espelho, há uma janela redonda ao fundo.   O fundo do cartaz é cinza.   Na parte superior central lê-se: "NA ESCURIDÃO DA NOITE TODOS PARECEM IGUAIS". Na parte inferior central está o título: "GÊMEO MALIGNO". Embaixo estão os nomes no elenco, dos membros da equipe técnica, as inscrições "EXCLUSIVO NOS CINEMAS" e "VERIFIQUE A CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA". Há o logo da Paris Filmes e outros 16 ilegíveis.  Tudo está escrito em letras brancas maiúsculas.



Por Lucas Borba

Como é natural, ao longo da história do cinema o gênero terror teve momentos altos e baixos, mas sempre soube se reinventar, seja reciclando de forma competente filmes ou franquias bem-sucedidas ou trazendo novas histórias para as telonas, telas e telinhas. O dito “novo terror” surgiu como um movimento nesse último caso que tem dado o que falar.

A verdade, porém, é que o “novo terror” nem tem nada de tão novo assim. O que ele faz é enfatizar em sua narrativa elementos associáveis a um terror mais literário e, além disso, à concepção mais original do terror enquanto propósito. Não apenas um mero entretenimento baseado em sustos fáceis, o terror surgiu nada mais, nada menos do que com o objetivo de abordar medos e inquietações comuns ao nosso cotidiano, sejam tais fontes de temor concretas ou mentais e psicológicas. Narrativas com essa proposta raiz, dentro de seus subgêneros, no geral sempre se concentraram em uma de duas reflexões principais – e aqui as listarei no singular, mas compreendam-se também no plural: o personagem – passível de ser plural – que é consumido, morto, possuído, enfim, pela fonte do terror, ou o personagem – passível de ser plural – que derrota a fonte do terror. Ou seja, seremos derrotados por nossos temores ou seremos nós quem os derrotaremos?

Vale salientar que mesmo sendo a fonte de terror algo concreto, como um assassino mascarado, no fundo o terror raiz sempre busca retratar tais ameaças como projeções de nossos próprios temores – que, por sua vez, dão poder, força e forma à ameaça concreta. O cinema, em princípio muito pautado pela visualidade, só nos últimos anos começou a compreender de um modo mais evidente que o audiovisual também pode trabalhar com o maior temor passível de ser evocado, aquele que é único em cada um de nós. Para isso, grandes aliados narrativos são ruídos, barulhos ou a ausência deles, a trilha sonora, bem como meras pistas visuais que estimulem nosso imaginário a conceber o real impacto do que não estamos vendo. É o chamado “terror psicológico”, que no audiovisual tem por missão não apenas fazer com que saltemos na poltrona, mas com que deixemos a sala de cinema ou desliguemos nossa televisão no mínimo reflexivos ou, nos casos mais eficazes, profundamente impactados ou incomodados com um tipo de ameaça que talvez esteja muito mais presente em nosso cotidiano do que gostaríamos de admitir.

“Gêmeo maligno” (The Twin, no original), que chegou aos cinemas nessa quinta-feira, dia 11 de agosto, certamente tem essa preocupação de não enveredar pelo terror fácil, raso e momentâneo. Mais do que isso, o filme brinca com elementos do já consolidado terror pipoca mas, no fundo, entrega algo bem mais interessante. Para quem já tem uma certa bagagem narrativa, é verdade, esse chamariz parece quase indiscutível no máximo até pela metade do longa, que fala de catolicismo versus paganismo e de uma entidade maligna em uma profusão que aparenta displicência proposital, já que separadamente tais elementos parecem fazer mais sentido dentro de um “terror pipoca” do que em conjunto, do modo com que são apresentados aqui e acolá no desenrolar da trama, como que para nos confundir quanto ao que de fato está acontecendo. Na história, o jovem casal Anthony (Steven Cree) e Rachel (Teresa Palmer) perdem o pequeno filho Nathan (Tristan Ruggeri) em um acidente e, para se recuperar do trauma e recomeçar, decidem se mudar para uma casa interiorana com o filho gêmeo Elliot (Tristan Ruggeri), que aos poucos, no entanto, passa a dar indícios para Rachel de que Nathan pode ainda estar entre eles, e não exatamente contente por Elliot agora ser filho único.

Somente essa premissa já traz uma dubiedade com amplas possibilidades de exploração narrativa. Afinal, qual será de fato o gêmeo maligno? O fantasma de Nathan, enfurecido por não sentir-se mais parte da família, ou Elliot, determinado a tudo para preencher o buraco deixado pelo irmão falecido, a ponto de querer ele próprio tornar-se o próprio falecido? Ou serão talvez ambas as coisas?

Como se observa, essa duplicidade por si só já dá o que pensar, mas a narrativa felizmente vai além dessas possibilidades ao explorar com ótimo engenho criativo e do storytelling o tema do luto. Longe, é claro, de ser um tema novo no terror, que podemos em princípio enquadrar no campo das inquietações. A produção, todavia, sabe como tratar desse luto de modo constante e palpável ao longo da narrativa ao mesmo tempo que nos incute dúvida e confusão sobre o potencial destrutivo dessa ameaça definida na dor da perda e na luta para recomeçar, para reencontrar um sentido na vida, também levando-se em conta não apenas como o luto afeta você enquanto sujeito, mas por extensão as pessoas ao seu redor.

Distribuído pela Paris Filmes, o longa não conteve em sua cabine virtual para a imprensa a opção do recurso de audiodescrição. Sendo eu uma pessoa com deficiência visual total, deixo aqui registrada essa reivindicação, para que eu possa produzir conteúdo acerca das produções em equidade de condições com meus colegas de profissão. Dado o exposto, por isso não aludirei a aspectos visuais da obra, mas posso dizer que o elenco funciona bem para valorizar as intenções dramáticas do roteiro, em especial Teresa Palmer, que pelo menos em caráter auditivo entrega uma atuação dedicada e condizente com a personagem em suas diferentes fases durante a trama. A trilha sonora incidental e grave, embora não conte com qualquer tema particularmente marcante, ajuda com precisão a criar o suspense, a tensão e a confusão crescentes, até o derradeiro grand finale.

“Gêmeo maligno” se sai muito bem porque, além de não entregar mais do mesmo em termos de terror para o audiovisual, flerta com elementos comuns do gênero para atrair um público mais amplo e, no final, apresentar algo diferente e que de fato nos deixa com um sentimento muito mais do que momentâneo à exibição do longa. Mesmo não podendo ser igualado à maestria de títulos como Hereditário ou A Bruxa, nos quais claramente também se inspira, com certeza está acima da média e vale ser conferido na telona por quem busque apreciar um terror de qualidade, que diz ao que veio com entretenimento sem se desconectar de seu propósito original.

Nota: 4/5

“Gêmeo maligno” (The Twin, Finlândia, 2022)

Direção: Taneli Mustonen

Roteiro: Aleksi Hyvärinen, Taneli Mustonen

Duração: 109 minutos

Hashtags: #cinema #terror #arte #cultura #culturapop #gêmeomaligno #acessibilidade #inclusão #audiodescrição

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