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Crítica | "Desaparecidos" (2021)

Foto de um homem e de uma mulher. Ambos são vistos lado a lado dos ombros para cima, virados para a esquerda e olham sérios para a mesma direção. Os dois são brancos, sendo que o homem é coreano, tem cabelo preto, liso e curto e a mulher é loira, com o cabelo liso amarrado em um coque e está ligeiramente boquiaberta.   O fundo é azul escuro com luzes e placas com escritos em ideogramas coreanos.   Na parte superior estão os nomes dos atores principais. Abaixo está o título: "DESAPARECIDOS". Logo abaixo está o nome do diretor e, embaixo, lê-se: "PARA SUPERAR SEUS MEDOS, ELA ENFRENTARÁ O TERROR!". Na parte inferior estão os nomes no elenco, dos membros da equipe técnica, o logo da A2 Filmes e diversos outros ilegíveis e a inscrição "VERIFIQUE A CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA DO FILME". Tudo está em letras brancas maiúsculas.


Por Vanessa Delfino 

Ultimamente tenho adotado o costume de assistir a filmes sem ler sinopse, críticas ou ver trailers. Claro que quando se trata de um filme muito aguardado, com uma campanha pesada de marketing, é praticamente impossível ficar imune aos comentários. Felizmente não é o caso desse filme franco-coreano, "Desaparecidos" (2021). Depois de ter assistido soube que ele foi exibido no Festival de Berlim, mas a estreia oficial nos cinemas aqui do Brasil foi dia 04 de agosto e eu pude assistir sem saber o que esperar. Sem nem saber que se tratava de um filme franco-coreano. Recomendo muito essa experiência, porque é uma forma pura de avaliar a obra pelo o que ela realmente é, livre de toda e qualquer influência. 


Enfim, vamos ao filme. Ele começa com os créditos tanto em francês quanto em coreano e, ao longo da história, vemos que diversas são as línguas faladas: além do francês e do coreano, também há falas em inglês, português e chinês. Nesse sentido, imagino que assistir a uma versão dublada seria perder parte do sentido que a linguagem tem pra história. Linguagem aqui é poder e a ausência da capacidade de se comunicar no idioma exigido pode significar até mesmo, literalmente, a morte. 


Após os créditos iniciais assistimos a uma intricada rede que entendemos ser de tráfico de órgãos. Homens andam pela cidade no meio de milhares de pessoas carregando uma inofensiva caixa térmica, sem que ninguém desconfie do que há no interior. Pacientes ficam felizes em poder receber um órgão que estavam esperando há sabe-se-lá quanto tempo para finalmente realizar a cirurgia que pode salvar suas vidas sem, no entanto, imaginar de onde veio esse órgão. E é isso o que o filme mostra. 


Seguindo na linha do novo cinema coreano, que desmascara a faceta de cidade modelo que Seul apresentou ao mundo, "Desaparecidos" mostra como mulheres chinesas, que chegam ao país para trabalhar como faxineiras sem nem ao menos saberem falar coreano, são mortas e seus órgãos vendidos. Por serem mulheres pobres, de um país socialista, possivelmente fugidas, ninguém se preocupa com o desaparecimento delas. Ninguém vai atrás. Ninguém denuncia.  Uma delas até chega a pedir ajuda, quando percebe o rolo em que foi metida, mas por falar apenas chinês, ela não é compreendida. A investigação de fato só começa porque duas crianças encontram o corpo de uma mulher em um rio enquanto brincam e Detetive Park (Yoo Yeon-seok), o policial coreano responsável pelo caso, acha estranhas as marcas de picadas que ela tem no braço. Chega a ser um milagre a polícia sul-coreana decidir investigar o sumiço de uma delas.


Por sorte há uma cientista francesa na cidade que lá está para apresentar um procedimento revolucionário de identificação de corpos. Essa cientista, de nome Alice (Olga Kurylenko), tem um trauma que confere a ela visões e que explica porque ela prefere lidar com os mortos do que com os vivos e que será explicitado mais para frente na história. Detetive Park pede o auxílio dela, auxílio esse que só é possível graças ao fato de ambos falarem inglês. E fora do período de trabalho, Alice passeia pela cidade seja acompanhada pelo detetive, que demonstra um interesse amoroso por ela, seja pela ajudante, Mi-Sook (Ye Ji-won), que fala francês e, em um determinado momento do filme, diz ter aprendido outras línguas (além do coreano e do francês, ela fala inglês) por vir de uma família influente que entende a habilidade de se comunicar em mais de uma língua como poder. De fato é poder, porque mais para frente é revelado que Mi-Sook não é uma simples intérprete e consegue ocupar espaços da alta intelectualidade científica, acompanhando Alice, por um motivo bem específico. Lugar esse que ela só consegue ocupar graças ao fato de falar mais de uma língua. É a linguagem sendo usada como elo para resolver um crime e para causar um crime. 


O ponto forte do filme é o roteiro muito bem amarrado, sem nenhuma ponta solta (bem, na verdade, tem uma, mas não vou dizer aqui para não dar spoiler. Quem assistir ao filme, vai perceber onde está a ponta solta, porém não é nada que interfira na compreensão da história): tudo vai sendo respondido e resolvido ao longo de uma hora e vinte minutos. Interessante também é notar o título do filme em francês "Matin Calme" ou "Manhã Calma". Como que um crime de grandes proporções ocorre bem diante dos olhos dos coreanos (literalmente, como vemos na cena de um dos traficantes de órgãos com a mãe) e ninguém reage, deixando tudo sob uma falsa aparência de calmaria, de paz e tranquilidade que só existe para alguns? 


É uma história que chama a atenção e nos faz querer saber como que tudo vai terminar, porém o filme poderia se aprofundar mais na questão do esquema de tráfico de órgãos e da exploração de pobres mulheres chinesas. Apesar do tema pesado, a obra é até leve, com espaço para uma tensão romântica entre Detetive Park e Alice. Tudo se desenrola sem dificuldades e o filme é bom de assistir se não tiver nada melhor para ver. 


Nota: 3/5


"Desaparecidos" ("Vanishing", França, Coreia do Sul, 2021)


Direção: Denis Dercourt


Baseado no livro "The Killing Room", de Peter May


Duração: 88 minutos



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