Por Lucas Borba
Quanto mais uma
narrativa sabe qual tom ou quais tons usar para a história que deseja contar,
melhor será o seu resultado final. “Dark Web: Cicada 3301” tem bem amadurecidas
tais escolhas narrativas.
Observar essa
maturação, diga-se de passagem, é empolgante, já que este é o primeiro filme
dirigido pelo ator e produtor americano Alan Ritchson, que chega aos cinemas
brasileiros no dia 1º de setembro, com distribuição da A2 Filmes. Tive acesso à
cabine de imprensa digital promovida pela distribuidora e agradeço a
oportunidade. Infelizmente, por enquanto filmes independentes exibidos em um
número menor de salas de cinema não têm a obrigação de disponibilizar a obra
com audiodescrição, esse recurso de acessibilidade comunicacional tão
importante a um jornalista como eu, que sou uma pessoa com deficiência visual,
e claro, ao público em geral na mesma condição.
Para quem não
sabe, a audiodescrição descreve por meio de uma narração em off os elementos
visuais que aparecem na tela durante o filme. No cinema, as pessoas com
deficiência visual utilizam fones de ouvido conectados a um receptor e ouvem a
audiodescrição sem que a presença do recurso atrapalhe o restante do público
que não precisa do serviço. Uma boa notícia é que a A2 Filmes já está
conseguindo disponibilizar cópias dubladas desde a cabine de imprensa para
jornalistas e Influencers, facilitando assim o acesso a tais eventos e
permitindo que mais produtores de conteúdo divulguem os filmes.
Na trama, acompanhamos
as aventuras e desventuras de um trio um tanto exótico: o hacker Connor (Jack
Kesy), seu melhor amigo Avi (Ron Funches) e a jovem bibliotecária Gwen (Conor
Leslie), que se envolvem em um sofisticado jogo de recrutamento global de uma
sociedade secreta da Dark Web. Pela divulgação do filme à qual tive acesso se
referir a ele como um suspense, é verdade que minhas expectativas foram abaladas
nos minutos iniciais do longa pelos primeiros indícios de deboche narrativo, e temi
que a produção, no mínimo, se perdesse na tarefa de definir o tipo de história
que pretendia contar e, no máximo e pior das hipóteses, ficasse restrita a um
humor pastelão barato, mas não é o que acontece.
Embora o filme
obviamente não se leve a sério – e é isso o que o espectador deve ter em mente
-, trata-se de uma sátira divertidíssima, mas também escapista à medida que
aborda com uma dose bem calculada de amor ácido temas delicados, densos e
pertinentes como a marginalização de grupos sociais, a comunhão entre pessoas
tidas por desajustadas, a elitização e a alienação impulsionada por um mundo consumista
e envolto em telas. Como dito, porém, todos esses temas vêm à tona com leveza considerável
nos momentos certos e equilibrados com sequências em que o referido suspense é
pensado para se encaixar devidamente no conjunto, conforme vamos nos
identificando com os personagens e suas excentricidades, motivações e bobeiras,
e com a natureza das ameaças. O longa esbanja em referências à cultura pop e
brinca com obras de teoria da conspiração, espionagem e aventuras de caça ao
tesouro, todos elementos reciclados, como a própria indústria cultural adora
fazer, mas que funcionam muito bem no modo como empregados no todo narrativo
para o efeito satírico.
“Dark Web:
Cicada 3301” é um filme inusitadamente divertido, que entrega bem mais do que
parece capaz a princípio e, por isso mesmo, se revela como uma surpresa muito
bem-vinda. Vale acompanhar a carreira desse diretor que, já em seu primeiro
trabalho nesse posto, mostra que é necessária bastante autoconsciência e competência
mesmo para não se levar algo a sério.
Nota :
4/5
“Dark Web: Cicada 3301 (Idem, EUA, 2021)
Direção: Alan Ritchson
Roteiro: Alan Ritchson, Joshua Montcalm
Duração: 104 minutos.
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